domingo, 3 de junho de 2018

Narcisismo






O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO AO CONCEITO FREUDIANO DE AUTO-ADORAÇÃO



NARCISISM: AN INTRODUCTION TO THE FREUDIAN CONCEPT OF SELF-WORSHIP
Larissa Cristie Pinto Garcia [1]
Gustavo Angeli[2]



RESUMO: Este trabalho objetiva apresentar o conceito de Narcisismo, bem como mensurar as estruturas psicológicas que fazem relação com o mesmo. Sendo este, um traço da personalidade que foi dividido em narcisismo primário e, narcisismo secundário. Todavia, são em totalidade elaborados por Sigmund Freud, em sua obra ‘’ Narcismo: Uma Introdução’’, do ano de 1914.
Palavras-chave: Psicanálise. Freud. Narcisismo.


ABSTRACT: This work aims to present the concept of Narcissism, as well as to measure the psychological structures that relate to it. Being this, a personality trait that is, divided into primary narcissism and, secondary narcissism. However, they are entirely elaborated by Sigmund Freud, in his work "Narcissism: An Introduction", of the year 1914.
Keywords: Psychoanalysis. Freud. Narcissism.



1 INTRODUÇÃO

‘’ Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto É que Narciso acha feio o que não é espelho’’ (VELOSO, 1978)

            Este trabalho acadêmico tem como objetivo, explanar o conceito de Narcisismo, utilizado por Freud em sua obra ‘’ Sobre o narcisismo: uma introdução’’ (On Narcissism em inglês, Zur Einführung des Narzißmus em alemão). Tendo Freud, (1914/1990), introduzido o conceito de ‘‘Narcisismo’’, vindo originalmente da descrição clínica psiquiátrica, o termo, foi inicialmente proposto por Paul Nacke em 1899, para explicar a conduta de um indivíduo que utiliza o próprio corpo, como um objeto sexual, sugerindo que, seria esta, uma forma de perversão. Nesta obra, é atribuído grande valor, pois nela é preparado o solo para o fértil plantio de conceitos que posteriormente explicariam toda a estrutura da psique de forma que Freud denominou de Metapsicologia, ressaltando os estudos sobre as relações do Consciente com o Inconsciente.

2     REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo aponta Laplanche e Pontalis (2001), por referência ao mito de Narciso, é o amor, pela imagem de si mesmo. Aparecendo pela primeira vez na literatura de Freud 1910, ao explicar a escolha de objetos nos homossexuais, segundo Freud (1910, apud Laplanche e Pontalis, 2001 p. 311) ‘’ [...] tomam a si mesmos como objeto sexual; partem do narcisismo e procuram jovens que se pareçam com eles, e a quem possam amar assim como a mãe deles os amou’’. Conforme Roudinesco (1998) o termo narcisismo foi utilizado pela primeira vez em 1887, por Alfred Binet, psicólogo francês, para descrever um viés de fetichismo que consiste em se tornar a própria pessoa como objeto sexual.
‘’ [...] até atingir plena satisfação mediante esses atos. Desenvolvido a esse ponto, o narcisismo tem o significado de uma perversão que absorveu toda a vida sexual da pessoa, e está sujeito às mesmas expectativas com que abordamos o estudo das perversões em geral’’ (FREUD, 1914/1990, p.10).
Freud (1914/1990) atentou para as pesquisas psicanalíticas, que revelam que determinadas características narcisistas isoladas, aparecem em indivíduos sujeitos a outros distúrbios. ‘’ e por fim apareceu a conjectura de que uma alocação da libido que denominamos narcisismo poderia apresentar-se de modo bem mais intenso e reivindicar um lugar no desenvolvimento sexual regular do ser humano’’ (FREUD, 1914/1990, p. 10). Neste sentido, o Narcisismo não seria propriamente uma perversão, mas, afirma Freud (1914/1990, p. 10) ’’o complemento libidinal do egoísmo do instinto de auto conservação’’.  Ainda sobre o instinto de conservação, além disto, Freud afirma ser o Narcisismo um traço de normalidade no indivíduo, fazendo uma comparação com a esquizofrenia, propõe (1914/1990 p.10/11):
Esses doentes, que eu sugeri designar como parafrênicos, mostram duas características fundamentais: a megalomania e o abandono do interesse pelo mundo externo (pessoas e coisas). Devido a esta última mudança, eles se furtam à influência da psicanálise, não podendo ser curados por nossos esforços. Mas o afastamento do parafrênico face ao mundo externo pede uma caracterização mais precisa. Também o histérico e o neurótico obsessivo abandonam, até onde vai sua doença, a relação com a realidade. A análise mostra, porém, que de maneira nenhuma suspendem a relação erótica com pessoas e coisas. Ainda a mantêm na fantasia, isto é, por um lado substituem os objetos reais por objetos imaginários de sua lembrança, ou os misturam com estes, e por outro lado renunciam a empreender as ações motoras para alcançar as metas relativas a esses objetos.
Segundo Freud (1914/1990), a atitude narcisista nos neuróticos implica numa resistência transferencial intensa. Enquanto na esquizofrenia há retirada da libido do mundo externo para o eu, já na neurose a libido que foi retirada dos objetos vai investir os objetos da fantasia. A partir desta afirmação, eis que surge a pergunta: ‘’ qual o destino da libido retirada da esquizofrenia?’’ (FREUD, 1914/1990, p. 11). Tendo a megalomania, criada a partir da libido objetal, mostrado o caminho a seguir, conforme afirma Freud (1914/1990, p.11) ‘’ a libido retirada do mundo externo foi dirigida ao Eu, de modo a surgir uma conduta que podemos chamar de narcisismo’’. Segundo o conceito de Eu, afirma Freud (1914/1990, p.13/14):
O valor dos conceitos de libido do Eu e libido de objeto está em que derivam da elaboração de características íntimas dos processos neuróticos e psicóticos. A distinção entre uma libido que é própria do Eu e uma que se atém aos objetos constitui o inevitável prosseguimento de uma primeira hipótese, que separava instintos sexuais de instintos do Eu. Pelo menos a isso me levou a análise das puras neuroses de transferência (histeria e neurose obsessiva), e sei apenas que todas as tentativas de prestar contas de tais fenômenos por outros meios fracassaram radicalmente.
Freud (1914/1990), ainda, dividiu o Narcisismo em dois tipos, o narcisismo primário e o narcisismo secundário. Sendo que no primário, o sujeito teria como modo de satisfação da libido o auto-erotismo, que foi conceituado como o prazer que o órgão tira de si mesmo. Por conta disso, essas pulsões, de forma independente, buscam satisfazer-se no próprio corpo. Freud (1914/1990) ressalta a posição dos pais na constituição do narcisismo primário nos filhos. Portanto o amor dos pais aos filhos, é o narcisismo dos mesmos, renascido e transformado em amor objetal. Assim, Freud definiu a escolha objetal ‘anaclítica’ ou de ‘ligação’, quando ama-se segundo o modelo do amor recebido na relação com as figuras parentais, aquela que alimenta e protege. Sobre a relação da esquizofrenia com o amor objetal, verificou-se que:
‘’ O delírio de grandeza, próprio a esses estados, nos indica o caminho. Sem dúvida, nasceu às expensas da libido de objeto. A libido retirada do mundo externo foi conduzida para o eu e assim surgiu uma atitude que podemos chamar narcisismo. Mas o delírio de grandeza não é uma criação nova, como sabemos, é a ampliação e o desdobramento de um estado que já existia antes. Isso nos leva a conceber o narcisismo que nasce da retirada dos investimentos objetais como um narcisismo secundário que se edifica sobre a base do outro, primário’’ (FREUD, 1914/1990, p.19)
No conceito de Narcisismo secundário, Freud (1924/1990) explora dois momentos distintos, que seria primeiramente o Investimento nos objetos, seguindo este investimento reforma para o seu (ego).  Quando, ainda bebê, o indivíduo já é capaz de diferenciar seu próprio corpo do mundo externo, identificando suas necessidades e quem, ou o que, é apto para satisfazê-las. Visto que, o indivíduo concentra em um objeto suas pulsões sexuais parciais, há esse investimento objetal, que se dirige para a mãe e o seio como objeto parcial. Porém, conforme cresce, a criança identifica que não é o único objeto de desejo da mãe, perdendo o trono, de seu reinado até então, absoluto. Portanto, a partir desta constatação, a criança vai ao mundo em busca de fazer-se amado pelo outro, em agrada-lo para reconquistar o seu amor. Contudo, afirma Nasio (1988) este amor, só é reconquistado a partir do ideal do seu eu.  
            Segundo Freud (1914/1990), o ego ideal é ambiguamente, um substituto do narcisismo perdido da infância (onipotência infantil), bem como, o produto da identificação das figuras parentais, assim como seus intermediários sociais.  O narcisismo dos indivíduos surge, deslocado em direção a esse ego ideal. Bem como o ego infantil, o ego ideal, configura-se detentor de todo valor e perfeição. Assim sendo, os indivíduos com tal vertente, não estão dispostos a renunciar seu narcisismo infantil, e toda sua perfeição. Projetando, diante de si como sendo seu ideal, o substituto deste amor narcisista de sua infância, aonde o próprio bebê era seu ideal. Sendo de características normais este processo dar-se com a criança, do contrário afirma, MOMBACH (2014, p. 3. apud CORDIÉ, 1996):
Pois bem, o bebê constituir-se-á a partir dessa primeira relação dual com a mãe, onde vai extrair significados primordiais e fundamentais destes investimentos libidinais, que refletiram mais tarde na construção de seus próprios significados. Contudo, para que se inaugure esta construção psíquica é necessária, a passagem do bebê pelo Narcisismo. Caso contrário, conforme Cordié (1996) podem ocorrer acidentes de percurso na constituição deste corpo imaginário e libidinal podendo provocar distúrbios diversos, como, por exemplo, as doenças psicossomáticas, distúrbios instrumentais e também debilidade.
            Quando ocorre a formação do ideal, as exigências do ego automaticamente aumentam acerca do que Freud (1914/1990), estabeleceu como o fator de maior potência a favor, ao que se refere ao recalque. Sendo que o objetivo do eu (ego), é reencontrar a perfeição e o amor narcísico, sendo que para isso ele deverá satisfazer as exigências do ideal do ego (eu). Conforme aponta Laplanche e Pontalis (2001, p.156), acerca da escolha do objeto narcísico:
A escolha narcísica de objeto opõe-se à escolha de objeto por apoio na medida em que não é a reprodução de uma relação de objeto preexistente, mas a formação de uma relação de objeto a partir do modelo da relação do sujeito consigo mesmo. Nas suas primeiras elaborações da noção de narcisismo, Freud faz da escolha narcí­sica homossexual uma etapa que leva o sujeito do narcisismo à heterossexualidade: a criança escolhería a princípio um objeto de órgãos genitais semelhantes aos seus. 
Freud (1914/1990) ressalta que a escolha objetal narcísica é um amar a si mesmo, através de semelhante, sendo que, em todo amor objetal há uma parcela de narcisismo. Sendo, este objeto, um reflexo do eu. Já o ideal sexual, segundo Freud (1914/1990), tem uma relação auxiliar com o ideal de ego podendo, portanto, ser empregada na satisfação substituta, onde a realização narcisista encontra obstáculos. Sendo ele, a busca do indivíduo, por um amor que seja do tipo narcisista da escolha objetal. Segundo Laplanche e Pontalis (2001), esta escolha se faz com base no modelo da relação do individuo consigo mesmo, e em que o objeto o representa sob alguns aspectos.
O modelo de escolha de objeto narcísica, caracterizado por Freud (1914/1990), também é visto como o amor, que o autor chama de essencialmente feminino.  O emprego que algumas mulheres fazem em si mesmas se compara em intensidade ao amor que os homens lhes dedicam.  Tal necessidade feminina consiste em, mais em serem amadas e menos em amar, conforme Freud (1914/1990) afirma que mesmo para as mulheres narcisistas há um caminho que as leva ao amor objetal, que é através do amor ao filho. Todavia esse amor carregue um traço narcisista no sentido em que o investimento é dirigido a alguém que foi parte do próprio corpo, portanto parte de si mesma.
‘’ Se introduzimos nossa distinção entre instintos sexuais e do Eu, temos de reconhecer para o amor-próprio uma dependência bem íntima da libido narcísica. Nisso nos apoiamos em dois fatos fundamentais: o de que nas parafrenicas o amor-próprio é aumentado, nas neuroses de transferência é diminuído; e que na vida amorosa não ser amado rebaixa o amor-próprio, enquanto ser amado o eleva. Como afirmamos, ser amado representa o objetivo e a satisfação na escolha narcísica de objeto. É fácil observar, além disso, que o investimento libidinal de objetos não aumenta o amor-próprio. A dependência do objeto amado tem efeito rebaixador; o apaixonado é humilde. Alguém que ama perdeu, por assim dizer, uma parte de seu narcisismo, e apenas sendo amado pode reavê-la. Em todos esses vínculos o amor-próprio parece guardar relação com o elemento narcísico da vida amorosa.’’ (FREUD, 1914/1990, p. 31)
Para Freud (1914/1990), o Narcisismo, por si só, não é considerado uma patologia. Sendo ele, um integrador e protetor da personalidade e, também, do psiquismo. Alguns aspectos fazem parte do funcionamento narcisista como, a preocupação exagerada com o corpo, demonstra uma exagerada necessidade de se sentirem amados e valorizados, buscam elogios, frustram-se com críticas, sentem-se infelizes quando ignorados. Os indivíduos narcisistas mantêm relacionamentos superficiais, tendo dificuldade em relacionar-se de forma mais profunda, inclusive na terapia apresentam resistência a manter uma relação verdadeira. Outra dificuldade apontada consiste no próprio estudo direto do narcisismo, pois segundo Freud (1914/1990, p.16):
O principal acesso a ele continuará sendo provavelmente o estudo das parafrenias. Assim como as neuroses de transferência nos possibilitaram rastrear os impulsos instintuais libidinais, a dementia praecox e a paranoia nos permitirão entender a psicologia do Eu. Mais uma vez teremos que descobrir, a partir dos exageros e distorções do patológico, o que é aparentemente simples no normal. No entanto, para nos aproximarmos do conhecimento do narcisismo, algumas outras vias continuam abertas para nós, e são elas que passo agora a descrever: a consideração da doença orgânica, da hipocondria e da vida amorosa dos sexos.



5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em sua obra, Freud constrói uma análise de fundamental importância, bem como os conceitos primordiais, que incorporados à psicanálise, que identificam e estabelecem as relações fundamentais das relações de objeto, pulsão e destino das pulsões, as idealizações do eu ou eu ideal, abrindo caminho nesse percurso para a compreensão das bases da estrutura psíquica e da transferência narcísica e amor objetal.
Freud (1914/1990) sinaliza a relevância da temática ao referir-se à distinção entre narcisismo primário e narcisismo secundário, conceitos que podem ser relacionados à diferenciação das estruturas neurótica e psicótica. A concepção do ideal do ego permite um primeiro olhar da estrutura social, de onde vem que o ideal moral da civilização é constituído com base no narcisismo. Tendo ele sido originado da incapacidade de se renunciar ao modo de satisfação narcísica já obtida.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v.14. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

LAPLANCHE, J; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo:Martins Fontes, 2001.

MOMBACH, E. M. 2014 Amor, Narcisismo e Dor. Rio Grande do Sul: Circuito Psicanalítico do Rio Grande do Sul, 2014 – APUD CORDIÉ, A. Os atrasados não existem, psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

NASIO, J. D. A criança magnífica da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

VELOSO, C. Muito: dentro da estrela azulada – Sampa. São Paulo: 1978. Disponível em: https://musicasbrasileiras.wordpress.com/2010/07/26/sampa-caetano-veloso/ Acesso em: 20/05/2018.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.



[1] Estudante de Psicologia do Centro Universitário de Brusque. E-mail: laricagarcia@unifebe.edu.br
[2] Professor. Centro Universitário de Brusque. E-mail: gustavooangeli@gmail.com

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